Depoimentos de testemunhas, relatórios do TCE (Tribunal de Contas do Estado) e a assinatura de um decreto são os elementos a serem analisados pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) para julgar o pedido de cassação do mandato do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL).
O pedido feito pela Procuradoria Eleitoral e pela chapa do candidato derrotado na eleição, Marcelo Freixo (PT), deve ser julgado neste primeiro semestre. Ele atinge não só Castro mas toda a cúpula política do estado, incluindo o vice-governador, Thiago Pampolha (MDB), e o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar (União Brasil).
Castro é acusado de ter participado da montagem de um esquema para criar 27 mil cargos fantasmas para alocar apadrinhados políticos às vésperas da campanha, driblando regras administrativas e eleitorais, incluindo o uso de funcionários fantasmas.
Em nota, o governador afirmou que extinguiu os projetos após os relatos de irregularidades e que “não foram apresentados nos autos do processo elementos novos que sustentem as denúncias”.
O chamado escândalo da “folha secreta de pagamento” foi revelado pelo portal UOL em junho do ano passado. O caso se refere ao uso da Uerj e da Fundação Ceperj (Centro Estadual de Pesquisa e Estatística do Rio de Janeiro) para o pagamento de funcionários de projetos sociais sem a divulgação de seus nomes.
Os pagamentos eram feitos por meio de ordens bancárias emitidas em nomes dos funcionários dos projetos e pagas na boca do caixa das agências do Bradesco em dinheiro vivo.
As contratações só foram interrompidas em agosto, após uma ação civil pública do Ministério Público estadual. Há ainda em curso uma investigação criminal.
O caso gerou duas ações de investigação judicial eleitoral, uma movida pela chapa de Freixo e outra pela Procuradoria Eleitoral. O TRE decidiu unir as duas num único processo, em vias de ser julgado. Elas têm, no total, 13 réus. Além da cúpula política do estado, estão entre os acusados dois deputados federais, dois estaduais e três secretários.
Nas alegações finais dos processos, a Procuradoria Eleitoral usou depoimentos dados à Justiça que, na avaliação da acusação, reforçam o uso político da estrutura do estado.
“O estratagema, para além de violar as regras basilares da gestão pública, revelou-se, também, um arranjo estruturado para o cometimento das práticas abusivas de poder político e econômico, e conduta vedada, no curso do ano eleitoral, com a inequívoca interferência sobre o processo eleitoral”, escreveram os procuradores eleitorais Neide Oliveira e Flávio Paixão.
Mayra Carvalho, ex-funcionária do projeto Cidade Integrada, afirmou em depoimento à Justiça Eleitoral ter sido coagida pela chefe a fazer campanha para Castro e aliados nas redes sociais. Ela citou inclusive o presidente Lula.
“A gente estava na hora do expediente, ela [chefe] me mandou uma mensagem pedindo para atender a ligação via WhatsApp. Eu atendi e ela falou para colocar no viva-voz e juntar a equipe para ouvir. Ela falou que estava chegando a campanha política, o trabalho ia se intensificar e que ela precisaria que a gente fizesse campanha inclusive nas redes sociais para esses candidatos que eu falei [Lula, Cláudio Castro, Dionísio Lins e Max Lemos] e quem não concordasse avisar no momento que ia ter que ser desligado.”
Ela relatou também que era obrigada a participar de eventos do governo estadual de anúncio de projetos com a presença de Castro, bem como ajudar a convocar a população da favela do Jacarezinho, onde trabalhava.
O processo conta com o depoimento de outras seis testemunhas que relatam supostos desvios dos projetos.
Outra evidência utilizada pela Procuradoria Eleitoral são relatórios do TCE sobre o caso. O tribunal afirma que não foi informado sobre as contratações, que chegaram a consumir R$ 261 milhões em 2021 e 2022 —dos quais R$ 101 milhões provenientes da concessão dos serviços de saneamento básico.
A corte também informou que um cruzamento de dados identificou entre os contratados 1.040 pessoas com vínculos a diretórios estaduais de partidos, 248 a municipais e 79 candidatos não eleitos em 2018 e até pessoas mortas.
Entre as principais evidências de fraude eleitoral apontadas pela Procuradoria está o fato de 7.422 pessoas terem sido incluídas na “folha de pagamento secreta” após 2 de julho de 2022, posterior à data prevista no calendário eleitoral como limite para admissão de pessoal.
A Procuradoria aponta um decreto assinado em março de 2022 por Castro como evidência do envolvimento direto do governador na expansão do uso do Ceperj como meio para a contratação de aliados políticos. Embora o uso da fundação tenha começado em 2021, ele assinou uma norma para formalizar o uso da entidade para os projetos.
NOME DO GOVERNADOR NÃO É CITADO, DIZ DEFESA
A assessoria de imprensa de Cláudio Castro afirmou que “a defesa do governador tem prestado todos os esclarecimentos aos órgãos de controle”.
“Após as denúncias, o governador Cláudio Castro determinou a extinção dos projetos da Fundação Ceperj, que está sendo reestruturada. Vale ressaltar também que o nome do governador não é citado em nenhum dos depoimentos”, afirma a nota.
“A defesa de Cláudio Castro confia na Justiça Eleitoral e afirma que não foram apresentados nos autos do processo elementos novos que sustentem as denúncias.”
A defesa de Pampolha afirmou no processo que a ação não apresenta qualquer ato atribuído ao vice-governador. Ele disse também ter sido escolhido para o posto na chapa em setembro, quando os projetos sob suspeita já estavam encerrados.
Bacellar afirmou à Folha de S.Paulo que os projetos tocados pela Secretaria de Governo, que comandava à época, foram realizados sem qualquer irregularidade.
Por Italo Nogueira | Folhapress